Insensibilidade é a palavra que resume a postura do Flamengo um mês após a maior tragédia da história do clube, segundo relatos de familiares e representantes de vítimas do incêndio obtidos pelo EXTRA.
Na tentativa de se livrar da culpa pelo fogo que consumiu o alojamento dos atletas da base no Ninho do Urubu, que deixou dez mortos e três feridos, a diretoria adotou o silêncio como premissa. Não só para a imprensa, como para torcida e familiares, quebrado por apenas uma coletiva do presidente Rodolfo Landim, que em seguida pediu licença para viajar a passeio no Carnaval.
— A postura foi bastante fria, e a família se sente abandonada. Jamais recebeu um telefonema sequer do Flamengo, nem mesmo para avisar da morte! Esperavam carinho, afeto e atenção. De uma hora para outra, são vistas como adversárias — disse a advogada Mariju Maciel, que representa a família do jogador Pablo Henrique.
Sem falar em homenagens
Desde que o contêiner pegou fogo, os dirigentes recém-eleitos do clube montaram uma estratégia de gerenciamento de crise, com a contratação de assessores e advogados e um mutirão de psicólogos e médicos para atender as famílias. Ao menos é consenso que, sob ponto de vista da ajuda financeira, o Fla não deixou de prestar assistência, ainda que sob demanda.
— A maior falha foi na comunicação. Não só com familiares, mas de um modo geral. A primeira entrevista veio longo período após o incidente, sem respostas, evasivo em relação à responsabilidade, e deixou as pessoas chateadas — critica Thiago D’Ivanenko, advogado dos parentes de Vitor Isaias e Bernardo Pisseta.
Mas há outros exemplos de falta de sensibilidade do clube. O maior deles é que até agora não houve nenhuma sinalização de que haverá um memorial no Ninho do Urubu para as dez vítimas fatais do incêndio. Familiares disseram que o clube ainda não tocou no assunto, embora tenham ouvido conversas sobre o tema. A área onde aconteceu o acidente está sendo transformada em estacionamento para o novo CT.
O Fla não descarta que ali haja um memorial, mas pensa na ideia para outro local do Ninho. O clube alega que o foco agora é na negociação das indenizações, por isso, nada está planejado, o que faz com que os parentes não se sintam confortados.
As dificuldades surgem até nos detalhes. Único ainda internado, Jhonata Ventura recebeu orientações dos médicos para usar o celular para testar o movimento das mãos queimadas, mas o zagueiro tinha perdido o aparelho no incêndio, com roupas e documentos. Como não havia ninguém do Fla atendendo a família, ela teve que acionar o clube para a reposição.
Feridos voltarão a treinar
Com o inquérito em andamento na Polícia Civil e o CT interditado pela Prefeitura, a Gávea virou solução por tempo indeterminado. Perguntas sobre as causas do incidente e as consequências para o futuro de 26 famílias, número de jovens que estavam no alojamento, seguem sem resposta s.
O Flamengo foi consultado sobre uma série de questões. Assessoria informou que o alojamento não constava em projeto enviado para a Prefeitura, pois não ficaria ali. O mesmo argumento foi usado para não informar aos Bombeiros sobre o contêiner. O clube alega que não sabia que o CT não tinha alvará, por isso, não tirou os garotos do local.
Sobre a interdição vigente desde 2017, pediu para perguntar à gestão anterior, mas disse que o certificado de clube formador avalizava o uso do alojamento, apesar de o secretário-geral da CBF, Walter Feldman, já ter explicado que o documento não substitui as licenças dos órgãos responsáveis. Sobre as causas do incêndio, o Flamengo afirma que a polícia é que vai avaliar.
Na segunda-feira, as categorias sub-17 e sub-15 retomam os trabalhos com a presença de dois dos três feridos, Francisco Diogo e Cauan Emanuel.
O QUE JÁ SE SABE
— O Flamengo não tinha alvará de funcionamento do Ninho do Urubu na ocasião do incêndio. A Prefeitura multou o Flamengo desde outubro de 2017, mas não interditou o CT. O Bombeiro não havia concedido o Certificado de Autorização para o Ninho. Com a nova vistoria após o acidente, o Bombeiro pediu novo projeto contra incêndio. A Prefeitura interditou o Ninho do Urubu no dia 27 de fevereiro.
— A Perícia da Polícia Civil constatou que o fogo começou em um ar-condicionado do contêiner. A entidade descartou, porém, que o alojamento provisório tivesse material inflamável na estrutura. O Flamengo informou que os ar-condicionados do contêiner tinham disjuntores individuais e passaram por manutenção.
— O Flamengo teve duas tentativas de acordo frustradas com as famílias das dez vítimas da tragédia. A primeira através do Ministério Público e Defensoria Pública. A segunda através do Tribunal de Justiça. Agora, o clube negocia individualmente com algumas famílias, e já chegou a um acordo pelo menos.
— O Ministério Público solicitou interdição do CT e bloqueio de R$ 57 milhões para indenizações ás famílias das vítimas. O Flamengo se defendeu, e o Juizado do Torcedor vai se manifestar sobre o pedido na próxima semana. Antes, a 1 Vara de Infância proibiu a presença de atletas menores de idade no CT.
— Na única entrevista sobre o tema, o presidente Rodolfo Landim informou que o Flamengo teve, em 2012, alvará para utilização do Ninho do Urubu com módulos iguais ao que pegou fogo. Segundo o dirigente, quando houve as obras dos novos módulos, o clube pediu a autorização ao Corpo de Bombeiros, em 2017. Varias exigências foram feitas. Mas nunca foi dada a licença.
— A Polícia Civil já ouviu uma série de dirigentes e funcionários do Flamengo, como um segurança e três profissionais de limpeza que testemunharam o incêndio naquela madrugada. Também foi ouvida uma representante da empresa NHJ, fabricante dos contêineres. O inquérito estava previsto para durar pelo menos 30 dias.
PERGUNTAS AINDA NÃO ESCLARECIDAS
1- Por que o alojamento provisório nunca constou no projeto enviado à Prefeitura?
2 – Por que o clube não apresentou o alojamento de contêineres nas visitas dos Bombeiros?
3 – Havia algum alarme de incêndio, brigada ou proteção para fogo no local do incêndio?
4 – Por que o Flamengo manteve os garotos em um alojamento sem alvará?
5 – Por que o Ninho ficou aberto mesmo depois de a Prefeitura interditá-lo em 2017?
6 – Por que o Flamengo não interrompeu os treinos no CT após o acidente?
7 – O clube pretende abrir uma investigação interna em seu Conselho Deliberativo?
8 – Há alguma avaliação de responsáveis entre funcionários e dirigentes?
8 – Quem decidiu alojar a base em contêineres?
10 – A decisão de alojar crianças naquela estrutura foi avalizada por especialista?
11 – Há um laudo que demonstre que o incêndio foi causado pelos picos de luz naquela noite?
12 – Onde está o documento que prova que houve vistoria no ar-condicionado naquela semana?
08/03/2019